Drogas, quanto custa proibir?
Por Matias Maxx – Rio de Janeiro, 15 de junho de 2022
“Enquanto se discute o avanço nas pesquisas e o potencial econômico da regulamentação do uso medicinal da maconha, sua proibição e a de outras drogas causam um irreparável prejuízo humano e financeiro. A socióloga Julita Lemgruber, o comunicador Raull Santiago e a historiadora Pâmela Carvalho reúnem-se para debater os motivos e as soluções para essa guerra.“
Na última década, vários esforços da sociedade civil do qual o seminário “Cannabis Medicinal Um olhar para o Futuro” faz parte, têm contribuído ao debate sobre a regulamentação do uso medicinal da cannabis, no Brasil. Os visíveis benefícios nos campos da pesquisa científica, da saúde pública e da economia têm sido destrinchados neste e em vários outros eventos.
Ao mesmo tempo, a política de drogas do país permanece estagnada desde 2006 e, contrariando as maiores economias do mundo, caminha para o endurecimento. A proibição da maconha e outras drogas alimenta um custoso cenário de guerra, que seca os cofres públicos, atenta contra a vida e compromete o futuro de pessoas que moram em favelas e nas periferias. Trata-se da continuidade de uma política posta em prática desde o período da abolição para controlar e reprimir populações negras periféricas.
Tendo como premissa que o uso de drogas é uma questão de saúde pública e não de polícia, a diretora da APEPI Margarete Brito, num discurso na Marcha da Maconha do Rio de Janeiro, disse: “É uma luta só, não existem vários tipos de uso, uso é uso, e a gente tem que lutar para que mais pessoas tenham acesso e possam plantar. E que a gente possa regulamentar não só a maconha, mas todas as drogas e acabar com essa violência e a guerra às drogas que mata tanta gente”. Sendo assim, vale lembrar que, às vesperas da marcha, havia completado um ano da maior matança promovida por forças policiais no estado, a Chacina do Jacarezinho, com um total de 26 mortos.
Duas semanas depois da Marcha da Maconha, no dia 24 de Maio, outra operação policial, desta vez no Complexo da Penha, vitimou 25 pessoas. Assim como no Jacarezinho, várias vítimas demonstravam sinais de execuções extrajudiciais.
Diante dessa situação, a sociedade e o Plano de Redução da Letalidade Policial do STF pressionaram pela aprovação de uma lei de 2015, do Deputado Estadual Carlos Minc, que exige que policiais usem câmeras no corpo. Apesar de aprovada ano passado, uma semana após a Chacina do Jacarezinho, essa lei só foi colocada em prática no dia 28 de Maio de 2022, duas semanas após a Chacina da Penha.
Segundo dados da Polícia de São Paulo, que adotou o uso dessas câmeras em 2020, houve nos últimos sete meses de 2021 uma redução de 87% nos confrontos policiais nos batalhões que adotaram o sistema e uma queda de 36% de letalidade. Uma queda dez vezes maior do que a dos batalhões que não utilizam esse equipamento.
“O Brasil é o país das polícias que fazem chacina num dia e improvisam câmara de gás para executar um homem negro, no outro. As hienas riem e aplaudem aos gritos. Cidadãos de bem é como se declaram essa seita macabra, que se delicia na execução de pessoas negras e pobres.” A frase é do ativista Raull Santiago, morador do Complexo do Alemão, vizinho do da Penha, que há cerca de dez anos denuncia violações de direitos humanos nas comunidades do Rio de Janeiro. Com trinta e três anos vividos na favela e quatro filhos, Raull conta que já teve amigos que viraram policiais e outros criminosos.
“Com quatro crianças na favela, eu só queria viver sem ter medo diário de acontecer algo com elas ou comigo. De serem esculachadas pela polícia. De se envolverem com o crime. De levarem um tiro indo para escola… E há 33 anos eu vejo esse formato de operação. O que melhorou? Meu pai já tomou um tiro na perna. Tenho vários amigos que já morreram de tiros. Não há glória em nenhuma dessas situações. E eu vou dizer sempre que não acredito em chacina como solução!”
Junto à historiadora Pâmela Castro, criada na favela da Maré, e a socióloga Julita Lemgruber, os três fazem parte da mesa “Drogas, quanto custa proibir?”, mediada por Francisco Netto, da Fiocruz. A mesa acontece no Seminário “Cannabis Medicinal: Um olhar para o Futuro” dia 10 de Julho às 14 hs, e leva o mesmo nome do projeto promovido pelo Centro de Estudos de Segurança, o CESeC, coordenado por Julita.
O projeto “Drogas, quanto custa proibir?” já publicou até agora dois de cinco relatórios previstos, no qual revelou os impactos da política de proibição de drogas no orçamento público do Brasil, e produziu dados e análises, e que, espera-se, contribuam para novas políticas de drogas, segurança pública, equidade racial e justiça social.
No primeiro Relatório, “Um Tiro no Pé: Impactos da proibição das drogas no orçamento do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro e São Paulo”, concluíram que, no ano de 2017, as instituições de segurança pública e do sistema de justiça criminal dos dois estados gastaram mais de R$5,2 bilhões com a proibição das drogas, sendo R$1 bilhão no Rio e o restante em São Paulo. O site do projeto disponibiliza uma calculadora onde é possível criar um orçamento para saúde, educação e renda básica utilizando os valores gastos por cada estado naquele ano.
O segundo relatório “Tiros no Futuro, impactos da guerra às drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro” tem foco na educação e traz luz sobre uma afirmação há muito tempo repetida por ativistas moradores de favelas. Quando o caveirão invade ela não mata só pessoas, ela mata o futuro da favela.
Em dia de operações policiais, a favela entra numa dinâmica muito bem definida pela historiadora e ativista Pâmela Carvalho, que chama esse fenômeno de a “Sinfonia do horror”, dividida em três partes: o barulho, o silêncio e a ressaca. Na primeira, os tiros e barulhos de portas se fechando, pois quando as operações começam as pessoas se protegem dentro das casas, dando lugar ao silêncio, algo realmente estranho aos ouvidos dentro das super povoadas comunidades do Rio de Janeiro, sempre fervilhantes de vida. Finalmente a ressaca, a hora de fazer o que Criolo canta: “Lavar os corpos, contar os corpos e sorrir a essa morna rebeldia”.
Nesse processo, moradores deixam de ir ao trabalho, o comércio não abre as portas, assim como todas as escolas e creches da comunidade. De acordo com o texto de conclusão do relatório Tiros no Futuro: o impacto das operações policiais vai além do saldo de mortos: “a cada tiroteio que ocorre em uma comunidade cresce o estigma lançado sobre aquele território e sobre aquela população, cresce o medo que se dissemina entre as pessoas, reduzem-se as condições de empregabilidade e também as efetivas chances de inclusão e acesso a direitos de quem vive naquele lugar.”
O projeto teve acesso ao Sistema de Gestão Acadêmico (SGA) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ), que permitiu traçar o perfil socioeconômico de estudantes do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental, e o Banco com relatos de violência no entorno das escolas.
O ano-base escolhido para a pesquisa foi o de 2019, por anteceder a pandemia de Coronavírus, que alterou profundamente as dinâmicas educacionais. Naquele ano, a cidade do Rio de Janeiro contabilizou 4.346 tiroteios que resultaram em 569 mortos e 658 feridos, segundo dados da plataforma Fogo Cruzado.
O estudo chegou à conclusão de que tiroteios no entorno das escolas reduziram 64% do aprendizado em Português e fizeram os estudantes do município do Rio perderem um ano letivo em Matemática, o que acarreta uma queda de 4% no seu rendimento escolar, em direção ao futuro.
O ano é de Copa do Mundo e, embora o Brasil não ganhe desde 2002, nessas décadas ele já colecionou vários outros títulos mundiais na área da segurança pública: o da polícia que mais mata, mas também a que mais morre e mais se mata.
Com tanto prejuízo financeiro e humano, urge questionar quem se beneficia da atual política de drogas e debater como fazer para mover essa discussão da esfera da segurança para a da saúde pública.
A guerra às drogas impacta toda a sociedade, mas principalmente as pessoas mais vulneráveis. Vamos debater sobre como mudar esse cenário?
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